Interior gaúcho: os longos caminhos de um futebol sem dinheiro
Iuri Müller e Maurício Brum
Especial para o Sul21
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Há sete anos, quando Francisco Novelletto substituiu Emídio Perondi na presidência da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), o cenário do futebol gaúcho era outro. Desde então, cidades que abrigavam desde longa data equipes profissionais, como Cruz Alta, Uruguaiana e Cachoeira do Sul, sumiram do mapa do futebol do interior. Outras novas apareceram, como Júlio de Castilhos, Frederico Westphalen e Camaquã, mas a tendência é de um futebol cada vez mais metropolitano. O Gauchão de 2011, assim como a edição de 2008, contou com o percentual mais baixo de equipes do interior do Estado na primeira divisão desde 1962.
No período, clubes que já ergueram a taça de campeão gaúcho no passado fecharam as portas, casos do Riograndense de Rio Grande e do Grêmio Santanense. Para a temporada de 2012, outras mudanças, desta vez estruturais, são aguardadas. A terceira divisão, abolida justamente no ano em que o atual presidente assumiu a FGF, retorna com os rebaixados na Segundona deste ano e com equipes recém-profissionalizadas. Entre os que caíram, estão outros históricos do interior, como a dupla Ba-Gua, de Bagé, e o Gaúcho de Passo Fundo.
Para o presidente da FGF, a criação de uma Terceirona tornou-se necessária até mesmo para o sustento das equipes menores. “A Segundona teria quase 40 equipes (sem a criação da Terceirona). Quem investiria num campeonato com tantos times? Com 40 equipes não conseguiríamos nunca um patrocinador, posso assinar embaixo”, agirma Novelletto. A intenção seria que, ao menos, a receita para o ano que vem não diminuísse – nesta temporada foram destinados cerca de R$ 35 mil a cada participante da segunda divisão, reduzidos para aproximadamente R$ 27 mil com todos os descontos.
Um clássico para a terceira divisão
Dono da pior campanha da chave da Fronteira na última edição da Segundona, o Bagé foi rebaixado para a terceira divisão estadual no ano em que a cidade comemorava o bicentenário de fundação. Para dramatizar ainda mais o momento futebolístico da Rainha da Fronteira, o Bagé rebaixou também a outra equipe da cidade – a sua primeira vitória chegou na décima primeira rodada, no clássico que derrubou o rival Guarany. As más notícias seguiram, e após a Segundona o Bagé ouviu que não poderia disputar a Copa Laci Ughini no segundo semestre.
A ordem havia partido de cima: Francisco Novelletto declarou que os rebaixados na segunda divisão estadual não seriam convidados a participar da chamada Copinha, alegadamente para se reestruturarem após o descenso. A decisão significaria quase 15 meses sem futebol profissional para essas equipes, já que o início da terceira divisão está marcado para agosto do ano que vem. Depois de reclamações de dirigentes que faziam questão de manter os clubes ativos e temiam perder patrocínios já acertados, a Federação voltou atrás.
Carlos Alberto Ducos, presidente do Bagé, explica que para alguns a reviravolta veio tarde demais: “a Federação permitiu que nós jogássemos, inclusive nos convidaram. Mas isso depois de dizer publicamente que os rebaixados não poderiam participar da Copa Laci Ughini. Aí já tínhamos emprestado praticamente todo o nosso time.” Embora todos concordem que seja um torneio deficitário, o Bagé estava disposto a aceitar o peso: “não teria porque não jogar. O Bagé não tem nenhuma ação trabalhista, nenhum jogador colocou o Bagé na justiça, e é um momento em que estamos melhorando a nossa estrutura.”
Enquanto o Bagé mantém o futebol vivo no segundo semestre com as disputas das suas categorias de base, o rival Guarany usou a sua base justamente na Copinha. Presidente que inusitadamente deixou o cargo para se tornar o treinador da equipe, Pedro Trindade, o Sabella, afirma que foi válido participar da competição. “Se não tivéssemos entrado, eu teria perdido três patrocínios fortes e o apoio da prefeitura”, explica. Já pensando em 2012, Sabella lamenta o rebaixamento do alvirrubro, mas promete seguir o que havia firmado. “Apoiei a criação da Terceirona, assinei o regulamento e não vou pedir virada de mesa, não vou encabeçar nada. Eu sabia que ia ser melhor para quem ficasse na Segundona.”
O futebol do interior não é (mais) atrativo
A esperança de Pedro Sabella por verbas maiores é compartilhada por outros dirigentes. Segundo ele, chegaram a ser cogitados valores próximos a um total de R$ 200 mil para os que alcançassem a fase final da segunda divisão. No entanto, talvez a realidade nem se aproxime disso. De acordo com Francisco Novelletto, o valor deve ser de R$ 50 mil brutos, pouco mais do que é repassado atualmente. Muito porque não há interesse da televisão nas disputas da Segundona ou da Copinha, o que reduz o valor dos patrocínios. “A RBS só transmite porque eu me imponho. Infelizmente, o interesse deles e dos patrocinadores é em Grêmio e Internacional. Essa é a nossa realidade”, afirma Novelletto.
Oscar Cobalchini, o presidente do Esportivo de Bento Gonçalves, vê o problema acima até da dependência televisiva. “Cada vez há menos proximidade entre o time da cidade e a população, com muitas pessoas de fora que não têm qualquer relação com o clube. Assim o futebol do interior vai morrer”, opina. Após quase 40 torneios consecutivos na elite, a equipe da Serra enfrenta a pior crise da sua modernidade. Endividou-se durante a Série C do Brasileirão em 2007, sofrendo com viagens longas, pequenos públicos e a falta de incentivos locais. No ano passado, acabou rebaixado no Gauchão e em 2011 não teve bons resultados na Segundona e tampouco na Copinha. “A situação da Serra não é tão diferente do que vemos na Fronteira”, acredita.
E nem do Norte do estado. Em Passo Fundo, o Gaúcho luta há quatro anos mais pela própria sobrevivência do que por vitórias em campo – depois de perder o estádio Wolmar Salton na Justiça, como forma de pagar uma antiga indenização, o clube entrou numa longa batalha judicial que se estende até hoje. A área do campo chegou a ser leiloada, mas agora o clube se aproxima de reaver a propriedade. Gilmar Rosso, presidente do clube, explica: “resumo a situação dizendo que o Gaúcho estava morto, enterrado, e um dia me disseram que tinha uma mão para fora. Puxei de lá, levei para a CTI, e agora ele se recupera no quarto. Eu digo que ainda vou ser presidente do Gaúcho, até agora eu só fui apagador de incêndio”.
O projeto do alviverde passo-fundense é, tendo a posse do local, vender a área por um valor que cubra a indenização, financie a construção de um novo estádio e pague as dívidas trabalhistas contraídas por gestões passadas, hoje em torno de R$ 2 milhões. A apenas quarenta quilômetros dali, em Carazinho, se encontra o exemplo mais grave de um interior enfraquecido – o Atlético. Desde que retomou o profissionalismo, em 2009, o clube venceu apenas cinco dos sessenta e sete jogos oficiais que disputou. Financeiramente, as dificuldades são gritantes. “Hoje ainda devemos cerca de 25 mil desta temporada. Isso vem tudo do bolso do presidente. Não tem mais ninguém que ajude”, lamenta o próprio mandatário, Gilberto Kamphorst.
A primeira divisão ou nada
Quem está na primeira divisão convive com uma realidade de verbas maiores. Em 2011, os valores ficaram em torno de R$ 650 mil por clube, quase vinte vezes mais do que o destinado às equipes da segunda divisão. O São Luiz de Ijuí, na elite desde 2006, é um caso de clube que procurou se manter com equipes baratas para pagar dívidas do passado. Desde que subiu, reduziu os valores devidos de R$ 2 milhões para R$ 500 mil. “Nosso maior objetivo nesse tempo todo sempre foi manter o clube na primeira divisão: a diferença de verbas da primeira para a segunda divisão é enorme. É um choque para qualquer clube que queira se reestruturar”, diz Sadi Pereira, que presidiu o São Luiz entre 2006 e 2011.
O São Luiz optou por não disputar a Copinha, competição cara até mesmo para a Federação, que gasta quase R$ 1,2 milhão na realização do torneio. Mais do que a diferença financeira que distancia as duas divisões, estar no nível principal representa também uma perspectiva de continuidade. “Até o rebaixamento é desigual no futebol gaúcho, porque da primeira só caem dois, e da segunda queriam que caíssem dezesseis”, lembra Carlos Alberto Ducos, o presidente do Bagé, que incentivou a redução para oito rebaixados. Não bastou para que o jalde-negro escapasse dos melancólicos quinze meses sem futebol na Pedra Moura.
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