ESSA HISTÓRIA NINGUÉM VAI APAGAR
18 DE DEZEMBRO 1966
Nadir, Machado, Amâncio, Daizon Pontes e Maneca; Honorato e Gitinha; Meca, Arthur, Raul Matté e Antoninho. Foram estes jogadores que vestindo com orgulho o uniforme verde e branco do Sport Club Gaúcho, adentraram no acanhado gramado do Estádio Wolmar Salton, na tarde quente e abafada do dia 18 de dezembro de 1966. Eles tentariam que reverter uma situação de derrota contra o Esporte Clube Uruguaiana, decidindo o campeonato estadual da divisão de acesso.
No primeiro jogo o Uruguaiana havia vencido por 1 x 0. Logo que o árbitro apitou a saída de bola começou a chover. Choveu torrencialmente em Passo Fundo. Mesmo assim o Gaúcho comandado pelo técnico/jogador Gitinha, o cérebro do time, foi empilhando gols. Antoninho, de pé direito fez 1 x 0; Raul Matté ampliou para 2 x 0; novamente Antoninho fez mais um 3 x 0. Arthur marcou um gol de placa. Após driblar três adversários, na saída do grande goleiro Vilson Bagatini, tocou a bola por cima dele, que entrou mansamente para dentro do gol. 4 x 0. Finalmente, aos 33 minutos, o meia Honorato, de sem-pulo da entrada da área fez 5 x 0. Placar final da partida.
Não havia saldo de gols e uma prorrogação de 30 minutos decidiria quem seria o campeão e subiria para a elite do futebol gaúcho.
Os torcedores periquitos não agüentavam mais a tensão. Porém, estavam esperançosos, pois o massacre do tempo regulamentar fora alentador. Mas, a ansiedade estava estampada no rosto de todos. Torcida, dirigentes e também jogadores. No velho pavilhão lotado e ao redor de todo o alambrado, todos encharcados, não arredavam o pé de seu lugar, pois em caso contrário, não enxergariam a partida. Uns otimistas já comemoravam. Outros céticos achavam que os gols haviam se esgotado. Mas nenhum deles era vidente e não adiantava especular. Apenas esperar a bola voltar a rolar.
Foi começar a prorrogação e o filme de terror, visto da decisão do ano anterior entre o mesmo Gaúcho contra o Riograndense de Rio Grande, passasse novamente aos olhos de todos. Simplesmente o time alviverde recuou. O Uruguaiana tomou conta do meio de campo e chegava a todo o momento na área do Gaúcho perigando a meta de Nadir. Foi aí que apareceu o grande goleiro e um miolo de zaga respeitável. Certamente o melhor que o Gaúcho teve em sua história. Amâncio era clássico e decidido. Daizon Pontes, um xerife, ganhava todas pelo alto e com a bola no chão.
Na casamata o diretor de futebol, fazendo às vezes de técnico, Flávio Araújo gritava insistentemente para que o meio de campo avançasse e marcasse a saída de bola do adversário. O recado surtiu efeito. Aos 14 minutos do primeiro tempo o lateral Machado, um dos grandes nomes da partida cruzou da direita. Raul dominou a bola e tocou para Antoninho, que passou por um marcador e quando foi chutar resvalou no barro, mas mesmo assim bateu firme, de pé esquerdo uma bola rasteira que ganhou as redes. Gaúcho 1 x 0.
O segundo tempo teve dois lances. Aos 10 minutos o atacante Décio do Uruguaiana entrou sozinho na frente de Nadir, mas chutou para fora. E, por fim, no último minuto Gitinha cobrou uma falta quase perfeita. A bola acertou o travessão. Após este lance Flávio Cavedini encerrou a partida. O Gaúcho era campeão da divisão de acesso. O primeiro clube da região a ter esta conquista.
A festa foi indescritível. A torcida entrou no gramado para abraçar a carregar seus ídolos. Muitos choravam, outros riam, todos se abraçavam. A invasão à piscina do clube, inaugurada apenas um ano antes, foi algo indescritível. Jovens e idosos se jogavam na piscina com roupa, documentos, dinheiro, todos embarrados. Logo, ganhou as ruas do Boqueirão e posteriormente do centro. Passeata com bandeira, gritaria, festa e muita, mas muita cerveja.
O relato desta partida e da festa inesquecível é a introdução de nossa homenagem à primeira grande conquista do alviverde e do futebol de Passo Fundo, em âmbito estadual. Desta forma, no próximo dia 18 de dezembro, este memorável feito estará completando 45 anos.
Este título do Sport Club Gaúcho teve muitos heróis. Os heróis do campo de jogo e os heróis fora dele. Todos, rigorosamente todos, deram sua inestimável contribuição.
Começando com o Patrono Wolmar Antonio Salton. Era à ele que os dirigentes recorriam quando necessitavam de dinheiro para pagar folha de pagamento, para viagens, etc. Seu Wolmar tinha sua cadeira de palha cativa, no que se chamava de tribuna, um lugar privilegiado no velho pavilhão. Com seu casado sujo de cascas de amendoins, que consumia nervosamente em todos os jogos, era um símbolo para o clube.
Em 1966, o clube teve dois presidentes. Começou com o jovem professor de química, Daniel Viuniski, que assumiu dentro do vestiário do Estádio Torquato Pontes, em Rio Grande, logo após a derrota nos pênaltis para o Riograndense, quando João Maluli, chorando renunciou ao cargo. Ao dedicar-se ao Gaúcho, Viuniski deixou de lado seus negócios particulares, e não teve jeito. Renunciou o cargo de presidente, por não poder dar ao clube sua energia e dedicação. Assumiu outro jovem. O empresário Anielo D’Arienzo, que com inteligência, criatividade, esforço e conhecimento de futebol, soube levar seu clube de coração à sua maior glória. Anielo D’Arienzo entrou para os anais da história do futebol passo-fundense como um de seus maiores e mais competentes dirigentes.
Havia outros dirigentes. Honorino Malheiros, Ricardo Santini; Hélio Bernardon; Almir Madureira Freire; Ruy Rosing, o velho Rui Pelego, funcionário da Cervejaria Brahma e um dos mais fervorosos torcedores que o Gaúcho teve; Ivon Machado Rosado; Nicolau Vergueiro Malheiros e Flávio de Lima Araújo, ágil e astuto, conhecia o futebol e seus meandros, como poucos.
A parte médica era comandada pelo Dr. Elton Ubirajara Ventura, que após a partida decisiva teve mais trabalho do que em todo o ano. Atendeu mais de uma dezena de torcedores que desmaiavam de emoção após a vitória. Dois eram os massagistas. Genovêncio de Moraes, o Vêncio, ex-goleiro do Gaúcho e hábil no manuseio das mãos, e ainda, o velho Arno Pini, paulista de nascimento, havia sido massagista do Corinthians. Veio para Passo Fundo e apaixonado por futebol atendia os jogadores. Foi ele que, numa semana, curou uma lesão muscular do atacante Meca, para que pudesse entrar em campo naquela tarde histórica.
Por incrível que parece, o Gaúcho não tinha treinador efetivo. Altino Nascimento, técnico um ano antes, trocou o alviverde pelo Ypiranga de Erechim. O meia Gitinha e Flávio Araújo armavam o esquema tático e escalavam o time.
Agora vamos mencionar os jogadores. Ídolos de uma nação que a partir daquele 18 de dezembro de 1966, se agigantou.
O goleiro titular era Nadir Smaniotto, sóbrio, elegante, não necessitava ser espalhafatoso para ser um extraordinário goleiro. Teve uma atuação exuberante naquela tarde decisiva. Nadir nasceu em Passo Fundo, no dia 5 de maio de 1938. Faleceu também em Passo Fundo, em 21 de setembro de 1997. Além do Gaucho, defendeu o Juventude de Caxias do Sul e o Pelotas.
Machado se chamava Ramos da Luz, lateral-direito de força física, fôlego invejável e determinação. Natural de Rio Pardo nasceu no dia 10 de abril de 1938, e faleceu em Canoas, no dia 10 de março de 2009. Começou a carreira no Grêmio de Porto Alegre. Passou pelo Flamengo de Caxias do Sul, antes do Gaúcho. Encerrou-a no 14 de Julho.
O zagueiro central era Amâncio Fróes da Silveira, clássico, elegante e determinado. Veio para o Gaúcho oriundo do Aimoré de São Leopoldo. Antes de encerrar a carreira atuou no 14 de Julho, e, em 1968, foi mais uma vez campeão. Amâncio era de Bagé, onde nasceu no dia 4 de janeiro de 1938. Faleceu em Porto Alegre, em 18 de fevereiro de 2008.
Daizon Pontes foi um dos grandes zagueiros do interior do Rio Grande do Sul. Estilo xerifão, técnico, excelente cabeceador, igualmente desarmava com a bola no chão com muita desenvoltura. Tinha seu lado folclórico, pelas declarações à imprensa. Viril e às vezes violento. Seu lema: “ninguém entra na área do Gaúcho sem ser convidado”. Daizon jogou no Elite de Santo Ângelo, Cruzeiro de Porto Alegre, Flamengo e América do Rio de Janeiro, Pelotas e no limiar da carreira, 14 de Julho e Guarani de Espumoso. Natural de General Câmara nasceu no dia 25 de dezembro de 1939.
O capitão do time era Maneca. Lateral-esquerdo marcador, leal, muito técnico. Embora não fosse apoiador, dificilmente errava passe. Sua saída de bola era eficiente. Oriundo das categorias de base do Grêmio, ao chegar no time principal encontrou Ortunho e Mourão titulares de sua posição. Foi para o São José e posteriormente contratado pelo 14 de Julho. Ficou um ano no Estádio da Baixada e rumou para o Gaúcho, onde ficou até encerrar a carreira, em 1968. Maneca ou Darci Lopes da Silva nasceu no dia 3 de outubro de 1935, em Porto Alegre. Faleceu em Passo Fundo, no dia 27de agosto de 2004.
Honorato Rodrigues Furtado foi contratado em 1966 para substituir Adair Bicca, que fora para o Grêmio. Honorato atuava no Riograndense de Cruz Alta. Jogava na primeira função do meio de campo. Desarmava o adversário com lealdade e tinha um excelente passe. Algum tempo depois teve um problema de saúde e prematuramente encerrou a carreira. Honorato é natural de Cruz Alta, cidade onde hoje reside.
O cérebro do time era o experiente Gitinha. Se chamava Manuel Bonifácio Porciúncula Nunez e nasceu na cidade de Arroio Grande, em 25 de maio de 1936. Jogou e foi campeão por onde passou. Internacional de Arroio Grande, Brasil de Pelotas, Pelotas, Guarany de Bagé, 14 de Julho de Livramento, Flamengo de Caxias, Grêmio Porto-Alegrense, Cruzeiro de Porto Alegre, Gaúcho e por fim um breve momento no 14 de Julho. Nos dois clubes de Passo Fundo acumulava as funções de jogador e técnico. Gitinha faleceu em Porto Alegre, no dia 28 de janeiro de 1993.
O grande ídolo da torcida era Meca. Pelo seu futebol de alta velocidade e dribles fáceis, pelos seus gols, seja por seu temperamento dócil e humilde. Américo Martins de Oliveira nasceu em Carazinho no dia 12 de outubro de 1938. Além do Gaúcho vestiu as camisas do Veterano de Carazinho e do 14 de Julho de Passo Fundo. Meca foi peça fundamental na conquista de 1966.
Ele era o malabarista do drible. O principal deles era a “lambreta”, hoje tão reverenciada na mídia por Leandro Damião. Arthur Andrade de Moraes aplicava este drible com tanta facilidade, que parecia simples fazê-lo. Sua técnica e habilidade com a bola eram imensuráveis. Chegou para jogar no Gaúcho em 1966, vindo do Flamengo de Caxias do Sul, aonde atuou por várias temporadas. Depois do Gaúcho jogou no 14 de Julho e no Atlântico de Erechim.
Ele começou centroavante no Juventude e depois no Flamengo de Caxias do Sul, sua cidade natal. Veio para o Gaúcho com fama de goleador e confirmou esta fama. Raul Alves Matté foi artilheiro do time na competição de 1966. Depois, numa emergência passou a centro-médio. Jogador de muita raça e determinação. Um guerreiro. Líder, capitão do time do Gaúcho nos anos posteriores. Encerrou a carreira no Atlético de Carazinho. Foi capitão da seleção gaúcha na conquista da Copa Atlântico Sul. Raul Matté faleceu em Passo Fundo, após longa enfermidade, no dia 14 de julho de 2010.
Junto com Raul Matté, em 1965, o Gaúcho buscou no Juventude de Caxias do Sul, o ponteiro-esquerdo Antoninho. Ele se chamava Nelci Antonio Santos Rocha. Era daqueles ponteiros típicos da época. Recebia a bola e partia para cima do marcador à dribles até chegar à linha de fundo para o cruzamento. Jogador de força e velocidade. Teve uma passagem também pelo 14 de Julho. Faleceu na cidade de Caxias do Sul.
Os reservas eram o goleiro Carabajal vindo do Aimoré de São Leopoldo, cidade onde vive até os dias atuais; o lateral Bira que antes atuara no Ypiranga, era reserva para as duas laterais. Eficiente quando entrava. Olavo Alves Padilha, além do Gaúcho jogou no Juventude, Pelotas e Ypiranga. Um excelente atacante de movimentação, técnica e discernimento na hora do arremate ao gol. Odilon veio do futebol de Uruguaiana, mais precisamente do Sá Viana. Chamava-se Odilon Gonçalves, e nos outros clubes onde jogou, Farroupilha de Pelotas, por exemplo, atendia pelo apelido de Longa. Por fim o ponteiro-esquerdo Newton Queiróz. Jogador técnico que gostava de ajudar na marcação. Saído das categorias de base do Grêmio até chegar ao time principal. Teve excelente passagem pelo Cruzeiro de Porto Alegre, antes do Gaúcho. Era Oficial da Brigada Militar e faleceu em Porto Alegre.
Passaram-se 45 anos da extraordinária conquista. Hoje com tristeza, mas esperançosos, vemos nosso Sport Club Gaúcho praticamente inativo no futebol profissional e ainda sem estádio. Mas, recebemos notícias de que a direção alviverde e seu departamento jurídico lutam arduamente para reverter a situação judicial e, quem sabe, ter de volta a área do Estádio Wolmar Salton. Ontem comemoramos as glórias, hoje estamos esperançosos, amanhã, será possível voltar a ver a mística camisa verde e branca outra vez disputando títulos.
" O GAÚCHO JAMAIS MORRERÁ "