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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Setecentos e três anos de tradição


Setecentos e três anos de tradição


Por Maurício Brum

Tu podes negar, tu podes te iludir, tu podes tentar salvar aquilo que já não tem volta. Mas tu não terás como fugir. Até 17 de abril, estará tudo acabado. É claro que não será indolor. Isso não vem de uma hora para a outra. É um lento acúmulo de coisas tantas, feridas mal curadas e conversas que não se teve. No sumiço do último raio de sol do terceiro domingo de abril, virá a cobrança do preço e só aí se saberá o que será de nós, depois. Haverá então os rebaixados e os aliviados.

Inclusive, evidentemente, na Chave 1. Chega a ser criminosa a ideia de colocar na Terceira Divisão algum clube deste grupo. Já é aviltante que qualquer um deles esteja longe da elite hoje METROPOLITANIZADA, mas desde a definição do regulamento reapareceu a hipótese inescapável de se ir um pouco mais para baixo do que as sesmarias da Segundona. Um velho campeão gaúcho seria tragado pelas entranhas da terra. Após 17 de abril nossa memória vai ficar um pouco mais debilitada e o futuro se apresentará sem um par de clubes históricos.

Não há, no Rio Grande do Sul de 2011, maior concentração de façanhas futebolísticas do que no grupo Fronteira/Sul da Segundona. No hay. Constatar isso independe de usar de retórica ou critérios subjetivos sempre questionáveis. A naturalidade dos números revela de maneira translúcida que o heptagonal 1 tem sete equipes e sete taças de Gauchão – quantidade que supera a soma de todos os troféus de todos os times em atividade no Estado (excetuada a dupla Gre-Nal), contando a Primeira Divisão inteira e os outros três grupos da Segundona.

O único time da Chave 1 que nunca ergueu a taça ainda assim é um portento repleto de legados – o 14 de Julho, a ponto de completar 109 invernos de existência, primeiro rubro-negro do país e atualmente líder do grupo após superar o favoritismo do Brasil de Pelotas na rodada passada. O time de Livramento havia iniciado o campeonato como grande candidato ao rebaixamento, ainda imerso nas brumas da campanha de 2010, quando ficou na 25ª posição geral entre vinte e seis participantes, mas vem muito bem.

Mesmo se confirmasse sua condição de descendido em potencial, o 14 teria sua queda sentida com dor. Como não cairá, puxa pela mão o efeito colateral de que dois quadros campeões fatalmente irão para a masmorra da Terceirona. O Bagé parece não ter mais rota de fuga e ninguém criou palavras capazes de explicar o significado da sua desaparição das tabelas da Segundona. Seu companheiro de suplício deverá sair da dicotomia Guarany-Farroupilha, separados um do outro pela estreita milimetragem de um empate.

Permanece viva, ainda, a possibilidade de a dupla Ba-Gua cair de braços dados. Episódio catastrófico para um município que veria esfaqueados dois dos seus maiores símbolos no ano do seu bicentenário, a ser comemorado em 17 de julho, exatamente três meses após a derradeira rodada da primeira fase desta Segundona. Por mais que doa, esta inevitabilidade de um clube grande do interior cair por estar em uma chave que só tem equipes importantes traduz uma peculiaridade do futebol da Fronteira e da Zona Sul: por lá, não surgem quadros novos.

Oquei, eles são fundados ou profissionalizados sim, mas em geral são experimentos que não duram mais que uma ou duas décadas. Na tabela da Chave 1, nenhuma das equipes remanescentes foi criada há menos de oitenta e cinco anos. E a conta se manteria se fosse colocado nesse bojo o Pelotas, o outro time da região em atividade e o único baluarte dali na Primeira Divisão. Juntos, os times do grupo 1 somam setecentas e três temporadas de existência desde seu debute – contra 448 anos da Chave 2, 365 da Chave 3 e 256 da Chave 4. Diferentes aspectos impediram a proliferação de agremiações pela região, sendo que os principais podem ser distinguidos e afunilados pelo fator esportivo e econômico.

Quanto ao primeiro, as raízes e a rivalidade se fincaram de tal modo na cultura local que há uma necessidade de tentar defender o clube que atravessou as eras. No que tange ao segundo, a longa crise econômica daquela parte do Estado tratou de inviabilizar a formação mais duradoura de um time novato. Isso cria um pequeno paradoxo que na verdade é só uma observação apressada, mas pode ser encarado como alento pelos rebaixados: por mais difícil que seja manter o futebol por lá, por impossível que pareça cavar uma vertente de patrocínios em uns campos ressecados de qualquer dinheiro, os times da Chave 1 têm boas chances de, a curto prazo, continuar respirando caso caiam.

Os próprios Guarany e Farroupilha, hoje ameaçados, estiveram na antiga Terceirona no início dos anos 2000 e subiram. Ambos atingiram a Primeira Divisão poucas temporadas depois. E é melhor confiar em um deles do que num clube sem tantas páginas rabiscadas ao longo do tempo. Mas nenhum diamante é verdadeiramente eterno e nem os tradicionais terão como sobreviver a uma sequência de temporadas ruins no futuro campeonato mais deficitário do Rio Grande.

Retomemos o exemplo dos que conhecem a Terceirona: o Guarany teve a felicidade de sair dela logo que a recriaram, em 1999. E o Farroupilha, a sorte de ser bancado pelo seu presidente, o coronel Ewaldo Poeta, reduzindo o sofrimento das verbas minguadas. São casos fortuitos. No mais, o Rio-Grandense de Rio Grande e o Grêmio Santanense estão fechados há anos. Uruguaiana, que possuía três equipes e ainda é a cidade mais distante da capital a já ter contado com clubes na elite, não tem mais futebol profissional.

Até a tradição tem efeito curto para dar energias extras aos gigantes caídos. Depois do dia 17 de abril, dois deles vão ter de entrar nessa reserva emergencial de ânimos.

Boa sorte. E voltem logo

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